"Um título é parte integral de uma história. Porque não? No fim de tudo, a vida não é uma resposta. restam ambiguidades. Resta o espaço para a dúvida." Isaac Asimov, Mensagens do Futuro.
quinta-feira, 31 de agosto de 2006
L46/2006
Bernardo Soares, Livro do Desassossego
Milhares de vozes se têm levantado companheiras, por direitos de ser pessoa, uno e único.
Lei 46/2006 assumida por José Sócrates.
Início de um mundo diferente ou assunto arrumado na teoria e (in)consciências?
quarta-feira, 30 de agosto de 2006
Devagar
Do meu vagar não traço rotas
não tenho trilho que me prenda
não tiro dados nem notas
não encho uma linha de agenda
do meu vagar não chego a Meca
não faço nada num só dia
não corto a fita da meta
não vejo Roma nem Pavia
Do meu vagar
sei que nunca hei-de ir longe
vou aonde for preciso
vou indo do meu vagar
em busca do tempo perdido
e se um dia o encontrar
o longe não faz sentido
Do meu vagar há um nicho
um pico de ilha insubmersa
onde há lugar para o capricho
que dá pelo nome de conversa
do meu vagar a paisagem
ainda tem beleza em bruto
e vale mais uma palavra
que mil imagens por minuto
Carlos Tê
terça-feira, 29 de agosto de 2006
Falamedemusica
segunda-feira, 28 de agosto de 2006
Duplicidades
Janus ou Janus?
Há, claro, um tempo, como um significado, para tudo. Imprevisível como um olhar, vigiando portões e inícios, ou longíquo do nosso alcance como um corpo celeste. Tempo para tudo, o que nos falta, o que nos sobra. Tempo até para promover e despromover planetas. Heresias da ciência ou da mitologia, prioridades que se constroem diariamente, elas próprias filhas do tempo e da vontade.
Há um tempo para estudar e um tempo para aprender. Um tempo para trabalhar e um tempo para dar frutos. Sobretudo um tempo para sermos nós, em tempos de sorrir e inevitavelmente de sentir. Alternando entre o longínquo dos céus em que nos sonhamos e a corrida infantil a mitos em que nos revemos.
Entrelinhas
domingo, 27 de agosto de 2006
Domingo
Não e sim,
Para ser dia que se vive
mergulho as mãos em mim
e tiro os domingos que tive.
Luís Veiga Leitão
sábado, 26 de agosto de 2006
Poema original
Original é o poeta
que se origina a si mesmo
que numa sílaba é seta
noutra espasmo ou cataclismo
o que se atira ao poema
como se fosse ao abismo
e faz um filho às palavras
na cama do romantismo.
Original é o poeta
capaz de escrever em sismo.
Original é o poeta
de origem clara e comum
que sendo de toda a parte
não é de lugar algum.
O que gera a própria arte
na força de ser só um
por todos a quem a sorte
faz devorar em jejum.
Original é o poeta
que de todos for só um.
Original é o poeta
por saber compreender
o que é o choro e o riso;
aquele que desce à rua
bebe copos quebra nozes
e ferra em quem tem juízo
versos brancos e ferozes.
Original é o poeta
que é gato de sete vozes.
Original é o poeta
que chega ao despudor
de escrever todos os dias
como se fizesse amor.
Esse que despe a poesia
como se fosse mulher
e nela emprenha a alegria
de ser um homem qualquer.
Ary dos Santos
sexta-feira, 25 de agosto de 2006
Catarina ou o sabor da maçã
Caminhos e atalhos
Interrogações ou dúvidas?
quinta-feira, 24 de agosto de 2006
Etiquetas 2
do Fr. étiquette
s. f.
conjunto de cerimónias usadas na corte e no trato social;
trato cerimonioso;
regra;
estilo;
legenda;
rótulo que se põe sobre alguma coisa para indicar o conteúdo, o preço, etc. .
Etiquetar
verbo transitivo
pôr etiqueta, rótulo, legenda em
classificar
Símbolos?
Etiquetas
Obrigado aos meus amigos PRECA e CRT, por me terem pedido seis definições (etiquetas) da minha pessoa e seis casos de pessoas que admiro (é a minha leitura do vosso pedido...)
1. Seis etiquetas pessoais:
amiga (fiel)
apaixonada (muito)
mãe (melga)
criança (sempre)
hiperactiva (desde 13 de Maio de 1966)
bipolar (entre o Ribatejo e o Alentejo divide-se o coração, como as raízes)
2. Seis para desiludirem em definitivo quem leia este blog
leitora compulsiva (defeito de fabrico)
lutadora (direitos humanos são direitos humanos)
amante de música (ninguém normal ouve o Requiem às 6 da manhã...)
amante de fotografia (beleza é beleza, nem sempre a que os homens esperam, nem sempre a que se vê, em definitivo sempre a que se sente)
amante de poesia (três amantes, que sorte, espero ser retribuída)
irreverente (donde a observação anterior e a mudança de carreiro que se segue)
3. Seis convites, cinco respostas directas
Etiquetas: sporting, música, ler, passear, teimoso, ansioso
Acrescento ao Zé Manel: tolerante, criativo, brilhante, culto, alegre, amigo paciente
(Pode ser encontrado por aqui, em http://www.gaiteirosdelisboa.
Rui Cruz, 19 anos, informático
Etiquetas: lutador, paciente, desorganizado, amigo do seu amigo, consciente, protector
Acrescento ao Rui Cruz: inteligente, precoce, interessado, dinamizador, fiel, atencioso
(o Rui Cruz é blogger em http://www.ruicruz.com)
Rui Fontes, 46 anos, Gestor de Empresas, Gestor de Projectos da Área da Acessibilidade e Informática
Etiquetas: paciente, calmo, teimoso, honesto, introspectivo, inteligente
Acrescento ao rui fontes: amigo, lúcido, generoso, activo, humano, disponível
(Rui Fontes a encontrar em http://www.tiflotecnia.com)
Rodrigo Santos, 28 anos, locutor de rádio, estudante de direito
Etiquetas: perseverante, bem humorado, indeciso, analítico, honesto, apaixonado por pessoas e causas
Acrescento ao rodrigo: inteligente, vivo, atento, interventivo, lutador, trabalhador
(Rodrigo a ouvir em 92.2 fm, Rádio Ribatejo)
Susana Cordeiro, 25 anos, Psicóloga
Etiquetas: sonhadora, introspectiva, determinada, sensível, teimosa, responsável
Acrescento à Susana: meiga, amiga, maternal, intuitiva, desperta, presente
(Susana em merecido destaque em: http://omelhoranjo.blogspot.
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Soulshadow, em convite directo: em http://bo-blackorb.blogspot.
quarta-feira, 23 de agosto de 2006
Crepúsculo
Autopsicobiografia
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm."
terça-feira, 22 de agosto de 2006
Arrumar a vida
Não é possível, claro. Tudo invade e baralha, tudo está sempre fora do lugar imaginado como ideal, trocado, simples e claro ou violento e intenso. Os nossos dias também podem ser guerras, às vezes com uma flor, às vezes com lágrimas. Os outros podem ser o céu ou o inferno ou nenhuma das coisas, apenas uma forma de entrega que nos faz sair de nós e esquecer a nossa própria estrutura em turbilhão. Arrumar a casa sim, a vida nunca. Nem sei se me sentiria bem, terminada uma tarefa, deixa de fazer sentido continuar nela. No entanto sinto que a diversidade é importante, a confusão não, é o melhor caminho para nos perdermos. Continuar entre os escombros do que já construímos e desbastámos, ceifeiros de nós mesmos, escultores aprendizes, cicatrizes junto ao corpo, é mais fácil de dizer ou de escrever que de viver. Não se medem dores nem vontades nem desejos. Não se tenta mudar o impossível, mas o que faz sentido mudar. Com o cuidado de não estragar o que outros sonharam. Sonhar está acima de tudo, pelo sonho é que tentamos ir, então.
segunda-feira, 21 de agosto de 2006
Falar com o corpo
"O gesto, esta dança de palavras no espaço, é a minha sensibilidade, a minha poesia, o meu eu íntimo, o meu verdadeiro estilo."
Emmanuelle Laborit, O Grito da Gaivota
sábado, 19 de agosto de 2006
Lendas de lagos
"Toujours placer amour plus haut qu’honneur Certain
Que la nuit n’est pas longue à cause du matin
Et je saurai baisser le front pour obéir
Sortir nu dans la pluie et craindre le beau temps
Si je suis le plus fort le plus faible paraître"
Lancelot, apropriado como todos os sonhos, para todas as causas.
Saber por onde andamos
O Instituto Geográfico e Cadastral, de boa memória, era junto à Estrela. Nele trabalhou o meu Pai durante anos, nunca gostou de trabalho de secretária, mas de trabalho de campo, de meter os pés ao caminho e descobrir rotas e trilhos e estrelas, que orientassem ou desorientassem, para outros caminharem com segurança, receio ou certeza. Nunca soube ler mapas, nem os do meu Pai, menos ainda os quadros parietais que eram uma predilecção da Sra. D. Manuela, que desesperou a tentar ensinar-me os nomes dos rios e as linhas de caminho de ferro. Nunca soube dobrar mapas como manda a lei (supostamente têm uma lógica, terão lógica os nossos percursos?). Hoje o meu Pai já não faz mapas, mas continua a enviar os filhos e os netos por caminhos de descoberta. E nós, claro, vamos à procura...
sexta-feira, 18 de agosto de 2006
Le Chat
Crescer
Crescer dói? Não necessariamente. Com os amigos certos por perto, quanto mais melhor. A vida é rápida, passa num ápice, queremos estar no colo outra vez e nem demos por nada. Temos muitos colos que nos acolhem e quando percebemos isso respiramos fundo e, talvez, saia um sorriso. Dias de aniversário começam às 00:00, com telefonemas e mails e entradas no msn, quando se pertence à sociedade da informação. Dias de aniversário passam rápido como vidas e deixam rasto de fitas e papéis de embrulho cada vez com menos cores, velas cada vez mais fáceis de soprar - a primeira exige largos treinos - e depois, novamente, mais difíceis, a luz a ficar eterna como as memórias silenciosas que queremos guardar na alma. Ser crescido não é ser feliz, é estar noutro ponto do caminho. Talvez mais alto, se tivermos sorte ou inteligência, subir devagarinho para não tropeçar, chegar ao topo do monte e ter uma perspectiva nova de tudo, descer e apreciar, saborear a vida como um fruto doce, amarguras de lado, somos nós que temperamos... Quando estamos felizes fazemos anos mais vezes, sorrimos muito, damos as mãos, talvez até gargalhadas. É urgente aproveitar a vida, com tudo o que temos de bom, como as crianças que abraçam os bonecos com urgência para que chegue a luz da manhã e passem os medos. É urgente ser feliz em cada dia, aproveitar o que somos, encarar as quedas como aprendizagens, aproveitar a brisa como um beijo, que pode ser de parabéns...
quinta-feira, 17 de agosto de 2006
Dessins d'écrivains
quarta-feira, 16 de agosto de 2006
As palavras de Mia Couto
Contos do Nascer da Terra
O Último Voo do Flamingo
O Gato e o Escuro
Um Rio Chamado Tempo, uma Casa Chamada Terra
terça-feira, 15 de agosto de 2006
Santa Maria d'Agosto
Recordações de infância: Agosto, mês de muita gente e de deitar tarde, colchas às janelas, touradas, fogo de artifício visto da varanda, procissão de 15 de Agosto, capas azuis e brancas da irmandade, muitos emigrantes de retorno, largadas de touros, cortejos etnográficos, flores por todo o lado, carrosséis com cavalinhos, cavalinhos maiores a passar com campinos, som dos cascos na terra, bolas de serradura com elásticos que se compravam nas feiras e que se desfaziam num ápice. Palavras soltas, sons e cheiros, o pó sob passos intermináveis dados em dias quentes, sombras escassas, o medo de me perder entre tanta gente crescida. O Sorraia seco, a condizer com o calor, as pontes a dobrar de cheias. Estão a ser restauradas, dizem. Pode ser que a minha infância também.
(Re)começar
o veneno sobrante de evidentes
ou escondidas dores que, pelo tempo,
tecem o frio de escassas madrugadas."
João Rui de Sousa
***
É bom abrir os mails e encontrar amigos, palavras de apreço, de encorajamento, para os trabalhos que sabem que faço, para os sentimentos que percebem do que escrevo.
E para receber poemas como o acima, lindos, boas leituras de estados de alma.
(Re)começar a vida completa em cada dia, pela mão de amigos, é nascer outra vez, mas sem chorar. Ou com lágrimas felizes de gente.
segunda-feira, 14 de agosto de 2006
Alberto Caeiro
O meu misticismo é não querer saber.
É viver e não pensar nisso.
Alberto Caeiro
Começar a semana
Como no romance de Bernadin de Saint-Pierre, a inocência preparada para tudo,
...
Salvador Dali, Boat
— De névoa, em rumo de incerto ...
— Pra mim o longe é mais perto
Do que o presente lugar.
Mário de Sá-Carneiro
domingo, 13 de agosto de 2006
Pequenos deuses caseiros
Continuo a não gostar de ver televisão em directo, agradeço aos deuses ter memória que me permita distinguir as vivências sentidas de remakes dolorosos. Lamento que se assassine desta forma o passado recente, que o povo que lutou prefira ter os filhos anestesiados. Que se desvalorize, esqueça, apague de forma esquizofrénica os fantásticos homens de intervenção, arrumados numa prateleira com pó, num sótão incómodo qualquer.
Deixar de sonhar é grave, seria suposto que o mundo continuasse a avançar, sobretudo pelas mãos das crianças, de forma consciente. Acredito que continuariam a sentir como quem canta ou a cantar como quem empurra bolas coloridas para o futuro, sem ser por acaso, com olhos a brilhar de liberdade contida. Afinal, ainda há muito por mudar.
Vale a pena ler bons comentários ao tema.
Onde li outro poema, mesmo a propósito, letra de Sidónio Muralha, também musicada por Manuel Freire:
Ainda há quem sinta.
Escrever a branco
Escrevemos a cor sobre branco, escrevemos contrastado, não escrevemos em três dimensões, cor supérflua. Não, só alguns de nós. Os que lemos com os olhos, que se pode também ler e lê-se com as mãos, com os ouvidos, deve-se sempre ler com o coração (no essencial). Tudo o que é aparentemente óbvio pode mesmo ser invisível e o invisível só e apenas o óbvio. Aprender vale sempre a pena.
Uma mão numa luva e depois voar
sábado, 12 de agosto de 2006
O nada que somos
Gato que brincas na rua
Como se fosse na cama,
Invejo a sorte que é tua
Porque nem sorte se chama.
Bom servo das leis fatais
Que regem pedras e gentes,
Que tens instintos gerais
E sentes só o que sentes.
És feliz porque és assim,
Todo o nada que és é teu.
Eu vejo-me e estou sem mim,
Conheço-me e não sou eu.
Fernando Pessoa, 1-1931
*****
Fim de tarde, fresco nas ruas de Lisboa, um passeio, um jantar de esplanada, um gato meio pardo a querer festas, a dividir uma salada, meigo no abandono, sem nada esperar, sem nada ter, a dar mais ao dar-se que a receber festas, a ronronar, dócil, a abandonar-se a cada minuto e à sua vontade. Olhos brilhantes ao cair do escuro, sempre bem porque vivo, moldável como não são os homens, tantas prisões, nós. Pode vir um carro depois, pode vir alguém que o leve para casa - maldade das maldades, gato livre não é de jaula - pode continuar com as ruas de Lisboa como mundo ou partir, brigar, ser territorial, chegar-se mais ou menos aos homens, chegar-se mais ou menos aos bichos. Instinto ou sabedoria? Temos sempre a aprender com os animais que somos...
sexta-feira, 11 de agosto de 2006
Iqbal
quinta-feira, 10 de agosto de 2006
Freacks - um pretexto
Mas prefiro falar do nosso lado preterido, do nosso lado estranho ao outro ou a nós próprios.
Tudo por uma discussão pertinente, que se prolonga desde ontem, sobre acesso de pessoas portadoras de deficiência à informação electrónica e a mobilidade em habitações e em edifícios públicos, sem esquecer o nosso maravilhoso urbanismo, inconsciência completa a verificar em Portalegre nas últimas obras que foram realizada com subsídios POLIS e sem qualquer respeito por legislação que devia ser um dado adquirido.
"O mundo é para quem nasce para o conquistar
Quando falamos e quando lutamos queremos mostrar que temos razão ou queremos mudar algo? Talvez se começarmos por conhecer as situações, por nos conhecermos e aceitarmos, por educar os nossos filhos fora de redomas e standards artificiais, consigamos dar um passo, por pequeno que seja, assumindo a identidade e os direitos do ser humano, sendo um deles a diferença.
A consultar:
Começar por conhecer, continuar agindo.
Campo de trigo, nós
"E depois, quando o trigo tiver brotado,
dê-lhe chuva, dê-lhe chuva,
sem mais saber onde cai do que se fosse sobre o mar."
Marcel Proust, Em Busca do Tempo Perdido, 1, No Caminho de Swan
Oiço falar
mendicante e sorrio.
Porque não sei
se tal vocação não é apenas
uma escolha entre riquezas,
como Keats
diz ser a poesia.
Desci á rua pensando nisto,
atravessei o jardim, um cão
saltava á minha frente,
louco com as folhas do outono
que principiara e doiravamo chão.
A música, digamos assim,
a que toda a alma aspira,
quando a alma
aspira a ter do mundo o melhor dele,
corria á minha frente, subia
por certo aos ouvidos de deus
com a ajuda de um cão,
que nem sequer me pertencia.
Eugénio de Andrade
quarta-feira, 9 de agosto de 2006
Tempo
Stephen Hawking...
... e o fio do tempo e do espaço, a grande preocupação humana, percebida pelos homens nas vivencias mais simples, o tempo que é curto, o tempo que é demorado, as medidas emocionais do tempo, o espaço que demora a percorrer, físicos de meia tigela, ansiosos pela vida um pouco mais além dos nossos sonhos.
Se ele, grande especialista na matéria, não tem uma conclusão a apresentar, mas questões a colocar, o que diremos nós? Ontem falava com um amigo, no msn, da percepção de sensações que nos são interditas. Genericamente, do conceito de cor. No entanto a cor é uma ilusão. Pode uma ilusão ser assim tão importante para movimentar uma manifestação de semiologistas que trabalhem para a dar a entender esse mesmo conceito a quem tem muito mais acuidade e aproveitamento prático de sentidos que desconhecemos? E depois, o que é um conceito? Outros há complicados, como o de espaço. Mas o tempo - esse grande escultor - persegue-nos a todos, diferenciando apenas na intensidade ou placidez dos homens a sua medida, criança que brinca connosco.
Por exemplo, estive a escrever até tarde e fiz algo que não fazia há muito tempo, estar a conversar online com os meus amigos, a saborear a sua sabedoria e o seu carinho. Mas hoje o tempo cobra-me o cansaço, a vivacidade de ontem pesa tonaladas hoje de manhã, quando quero escrever este post, quando quero pensar em tudo o que li sobre o tempo, todas as situações em o nosso maior inimigo e o nosso maior amor nos alterou o fio da vida.
Existem as cores? Existe o tempo? Serão dúvidas semelhantes? Pairamos, na verdade, num universo que não sabemos bem ao certo de onde vem, para onde se dirige, onde somos uma migalha, e em que somos, na realidade, meninos perdidos em nós e no que nos rodeia.
Solução: apreciar as coisas simples, as que entram directamente no nosso coração, sentir muito, dar muito de nós e receber tudo o que nos deixarem. Ou especializarmo-nos em Física Quântica.
terça-feira, 8 de agosto de 2006
Dias úteis
às vezes pretextos fúteis
pra encontrar felicidades
no percurso de um só dia.
Dias úteis são tão frágeis, as verdades
que se rompem com a aurora
quem as não remendaria?
Dias úteis mesmo se a dor nos fizer frente
a alegria é de repente
transparente quem a não receberia?
Mesmo por pretextos fúteis a alegria
é o que nos torna os dias úteis
Dias raros
aqueles que por amparos
do bom senso e da imprudência
fazem os prazeres do dia
Dias raros
como os ares, Rarefeitos
amores mais do que perfeitos
quem os recomendaria?
Dias raros
em que os mais dados às rotinas
ouvem sinos, seguem sinas cristalinas
quem as não perseguiria?
Por motivos
talvez claros o prazer
é o que nos torna os dias raros
Por pretextos
talvez fúteis a alegria
é o que nos torna os dias úteis
Por motivos talvez claros
o prazer é o que nos torna os dias raros
Por pretextos talvez fúteis
por motivos talvez claros
Sérgio Godinho
Bom dia, Carlota
Bom dia, pequenina. Viste o teu primeiro nascer do sol? Vou-te visitar hoje, se achares bem. Nascer é complicado e doloroso e depois há sempre o choque de não se perceber bem quem são as enormes pessoas que nos agarram e nos tocam e nos levam.
É passar da água ao ar, iniciação de meio, da serenidade ao choro, sentimentos extremos, de fusão com um corpo conhecido para voos impensados em mãos estranhas que nos tocam e agarram e puxam e ferem. E os sons tão mais nítidos cá fora, mundo agressivo, vens preparada?
No dia em que nasceste partiram outras pessoas, estação de comboios estranha, esta que agora começaste a partilhar. Também nasceram outros pequeninos e pequeninas. E há umas guerras por aí, mas isso é uma palavra que só vais perceber mais tarde, se a chegares a perceber (eu ainda tenho dúvidas do que é ao certo, só sei que dói).
Há coisas bonitas no mundo, Carlota, que te posso dizer? Vale a pena estares por cá. As companhias por vezes não são as melhores, no teu caso são fantásticas, tens uma família doce e muitos amigos que te amam, foste muito desejada, inesperada Carlota, vais ser surpreendente. Também eu apareci assim na vida, de repente, não mais que de repente. As cegonhas sentem-se acolhidas em casas cor de paixão. Mas depois falamos de poesia que é algo de belo e saboroso para tardes e madrugadas.
As pessoas, bem, são meio estranhas. Podem ser como as flores, com espinhos, com aroma, com beleza, agressivas, apelativas. Normalmente carentes de água, convém regares com amor. Tem o mesmo efeito e torna tudo muito mais bonito.
O mundo é uma bola, embora andemos todos para a frente, sobretudo as pessoas crescidas que gostam de mapas e de direcções. Acredita, é bom andar em círculos quando precisamos de pensar, virar nos atalhos cobertos de hera, seguir sem fim caminhos tapados com copas de árvores.
Acho que vais gostar disto, por aqui. Pode ser que mudes esta bola azulita para um planeta em forma de sorriso. Cada um de nós pode ser mais inesperado que pensa. Sobretudo é sempre mais inesperado que os outros acreditam.
Conto contigo, Carlota, para me dares uns beijos, para encheres a minha casa de chocolate e gomas e risos, para já, agorinha mesmo, queria muito contar contigo no meu colo, amiga que tarda ver, acabada de chegar ao mundo.
segunda-feira, 7 de agosto de 2006
Recomeça
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar
E vendo,
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.
Miguel Torga
Na sombra
Quando os homens viram as costas ao mundo, ou quando encontram caminhos de meditação, porque o mundo se torna inabitável.
Quando a solidão é o último reduto de paz.
Faz menos barulho, causa menos lágrimas.
Antes escolher as próprias que as alheias, também há caminhos na sombra e no silêncio.
domingo, 6 de agosto de 2006
Guardador de Rebanhos XXI
E sentir-lhe um paladar,
Seria mais feliz um momento...
Mas eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural...
Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva...
O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica...
Assim é e assim seja...
Alberto Caeiro
sábado, 5 de agosto de 2006
Daqui para a frente
Lugares
Do mundo, o espaço de segurança e de aparente liberdade que nos é oferecido é demasiado ténue. Aqui tens o mundo, só para ti, amplo, ajardinado. Cuidadosamente, mostram-nos cada flor, fazem-nos escutar cada canto de pássaro livre. E depois enjaulam-nos. As flores murcham, os pássaros estão numa qualquer gaiola.
As casas, como as coisas, passam a ser menores porque a perspectiva muda. Já não podemos comer os restos da massa do bolo porque a higiene aparece como como um estúpido dever. Nunca mais correr a ver um nascer de sol porque o trabalho é duro e estamos cansados, vê-se na internet, que giro, que giro.
Os espaços ou são de alguém (os caminhos são sempre de alguém...), deve haver poucos sítios no mundo a que chamemos nossos, mundo dos homens com fronteiras por dentro e por fora, fronteira cada um de nós para o próximo.
É preciso libertar, quebrar amarras, deixar as crianças cair quando brincam, deixar o sol queimar a pele, pisar a relva molhada sem medo que constipações do séc. XXI que nos conduzam a aprendizes de farmacêutico esquizofréquinos.
É preciso que cada casa seja um lar (local central, onde o fogo acolhedor reunia os que sabiam partilhar).
É preciso que os caminhos se abram, no mundo dos homens.
Sonhos tresmalhados
Tinham o rosto aberto a quem passava.
Tinham lendas e mitos
e frio no coração.
Tinham jardins onde a lua passeava
de mãos dadas com a água
e um anjo de pedra por irmão.
Tinham como toda a gente
o milagre de cada dia
escorrendo pelos telhados;
e olhos de oiro
onde ardiam
os sonhos mais tresmalhados.
Tinham fome e sede como os bichos,
e silêncio
à roda dos seus passos.
Mas a cada gesto que faziam
um pássaro nascia dos seus dedos
e deslumbrado penetrava nos espaços."
Eugénio de Andrade
sexta-feira, 4 de agosto de 2006
Confiança
O que é bonito neste mundo, e anima,
É ver que na vindima
De cada sonho
Fica a cepa a sonhar outra aventura...
E que a doçura
Que se não prova
Se transfigura
Numa doçura
Muito mais pura
E muito mais nova...
Miguel Torga
quinta-feira, 3 de agosto de 2006
Possivelmente
Possivelmente os nossos dias são feitos de horas a mais, também de horas a menos.
Possivelmente é difícil encontrar um equilíbrio, se é que o queremos.
Possivelmente acabamos por magoar quem menos queríamos ou mesmo a nós próprios.
Possivelmente arriscamos demais, outras vezes de menos.
Possivelmente o amor foi inventado para alguém nos dar a mão nos caminhos difíceis.
Possivelmente é só um segundo até ao nascer do sol seguinte, guarda-chuvas fechados, a chuva é rápida nos nossos dias se os corações e os ideiais forem altos.
Possivelmente vale muito a pena estar vivo e não ter medo do que se sente, dor ou prazer, amor ou ódio, perguntas ou respostas.
Possivelmente valerá sempre a pena procurar a transparência, onde tudo se encontra. Será?
Fios
Acordei a pensar, fios que nos seguram, fortes e frágeis, vale a pena ver, mesmo que aperte a alma, de tão forte, não é grave, flexíveis, fortes, eternas, as almas saltam nas nossas mãos, batem como corações, mais eternas que estes. Os fios de que precisamos para nos situar. Em relação a nós mesmos, aos que de alguma forma estão presos a nós e que nos prenderam, quem me perguntava ontem pela transparência, não a encontrei ainda, estará no horizonte para que nos dirigimos, mais desfocado que gostaríamos, só um pedaço a revelar-se em cada trajecto? Naquele mundo, só os escravos não tinham fios... No nosso, também qualquer hora de vida pode demorar cinco anos a construir.
quarta-feira, 2 de agosto de 2006
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GINO, um homem que vive na rua.
El Ingenioso Hidalgo...
"O valor que não tem por fundamento a prudência chama-se temeridade, e as façanhas dos temerários devem atribuir-se mais à sorte do que à coragem." Cervantes, 1605.
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2006. Pelo sonho e pelo engenho se redescobrem os gigantes.
Orson Welles, pelo projecto de filme...
Picasso, pelo esboço eterno...
D. Quixote, pela loucura...
"Encheu-se-lhe a fantasia de tudo aquilo que lia nos livros, tanto de encantamentos como de pendências, batalhas, desafios, feridas, requebros, amores, tormentas e disparates impossíveis;e firmou-se de tal modo na imaginação, que era verdade toda aquela máquina daquelas sonhadas invenções que lia, que para ele não havia outra história mais certa no mundo."
Mãos
Com mãos se faz a paz se faz a guerra.
Com mãos tudo se faz e se desfaz.
Com mãos se faz o poema – e são de terra.
Com mãos se faz a guerra – e são a paz.
Com mãos se rasga o mar. Com mãos se lavra.
Não são de pedras estas casas mas
de mãos. E estão no fruto e na palavra
as mãos que são o canto e são as armas.
E cravam-se no Tempo como farpas
as mãos que vês nas coisas transformadas.
Folhas que vão no vento: verdes harpas.
De mãos é cada flor cada cidade.
Ninguém pode vencer estas espadas:
nas tuas mãos começa a liberdade.
Manuel Alegre
terça-feira, 1 de agosto de 2006
Iniciativas
Gui, 1968
Criado em 1968, o irmão de Mafaldinha é, com Liberdade, um dos irreverentes do grupo. Tudo pode porque tudo experimenta pela primeira vez. Tudo lhe é permitido (a tudo se permite), perguntas, intervenções, atitudes. Gui é a ternura e a expontaneidade totais, é o crescimento de Mafalda que se sente obrigada a intervir neste lado da sua vida, como responsável pela integração e segurança desta força de intervenção que lhe foi parar a casa, responsabilidade óbvia da cegonha. Gui é uma reconcilação com o bom humor quase apolítico, com as pequenas questões de educação e de formatação que se impõem portas dentro, com a lógica inabalável de quem ainda não está (estará alguma vez?) formatado. Fantástico, Quino, como sempre, conseguindo supreender até Mafalda.